sábado, 2 de agosto de 2008

Simplesmente singular.

Era muito estranho ver que aos poucos aquele rosto se tornava presente em tudo o que se fazia no grupo. Não que tivesse nada contra ele, mas não parecia o tipo que se misturasse em grupinhos escolares. Tinha algo de imponente e intrigante na forma de olhar as pessoas. Em resumo era mesmo um metido a besta.
É bem verdade que sua presença animava bastante e em pouco tempo já era querido por todos. Mas a impressão sobre ele não mudou. Era quase insuportável.
Como tinha nome composto, em cada local era chamado de uma forma, a família, eu e os amigos de trabalho. Optou por seguir carreira militar.
Querem saber se isso mudou a postura daquele quase menino? Claro que sim. A rigidez da profissão transformou –o em uma pessoa fria e distante.
Ele é o homem dos contrastes. Ouvia Fátima Guedes, mas adorava um samba. Gritava ao invés de falar. Gargalhava mesmo quando a idéia era simplesmente sorrir. Encarava o sexo como uma atividade física indispensável e imprescindível ao ser humano. Todo dia e toda hora, em todo e qualquer lugar.
Dizia aos quatro vento que não gostava de mulher preta.
Mas casou-se com uma.
Passava a impressão de não gostar de crianças, isso sempre foi um mistério que jamais desvendei. Porque as crianças sempre estavam por perto e felizes ao lado dele.
Mesmo no auge de sua fase adulta, tinha momentos que mais se parecia um menino levado. Gostava de sentar no banheiro enquanto a mulher tomava banho. E olha que os banhos dela eram demorados. Mas ele nunca reclamava. Sempre ficava ali, falando de seu dia de trabalho ou de algo que o alegrara ou desagradara como se aquele fosse o melhor lugar do mundo para conversar. Putz...e como falava a criatura! Era bom porque contrastava com o jeito calado da mulher preta que escolhera para casar.
Sempre escolhia o que queria comer. E comia bem. Nunca perdia o sono ou a fome, por mais difícil que a situação se apresentasse.
Beber???? Como bebia.
Não era muito ligado na família, embora todos lhe devotassem um amor desmedido. É obvio que isso causava um certo desconforto, pois a família acreditava que a mulher era a responsável por seu desinteresse.
Tinha um comportamento interiorizado. Poucas pessoas conseguiam arrancar-lhe o que sentia, queria ou pensava. Era o que os matemáticos denominavam uma incógnita.
Às vezes parecia hipócrita, porque condenava nas pessoas, aquilo que fazia sem culpa. Comentários muitas vezes preconceituosos faziam com que a idéia de ser ele um hipócrita inconsciente se acentuasse.
A mulher que escolhera para casar era muito diferente dele. Conhecido como um homem ríspido, ninguém jamais presenciou qualquer grosseria dele para com ela. Talvez fosse aquela mulher preta, calada e observadora a única pessoa que não tinha medo de dizer-lhe na cara o que pensava sobre ele. Não. Ela não tinha medo, porque mesmo não gostando sempre ouvia o que ela dizia. E a chamava de abusada e folgada. Tinham brigas homéricas, mas no mesmo nível. Ali, entre os dois, não havia o mais forte, homem ou mulher ou o mais inteligente. Não havia xingamentos, (quando discutiam) nem mesmo o menor deles, embora ele dificilmente se expressasse sem palavras feias. Mas compreendera que entre ele e a mulher que escolhera para casar a coisa precisava ser civilizada para funcionar.
A mãe maravilhosa que ele tinha servia para unir um pouco o casal, pois a mulher dele amava de paixão aquela mulher de fala mansa, sofredora, hiper dominadora, mas determinada e sensata.
Quem foi que disse que noras não amam suas sogras. A mulher dele amava sim e dizia isso a quem quisesse.
Talvez o fato de ter sido ele uma criança temporã, tenha sido criado sem limites e com um amor excessivo, embora só ele não se desse conta disso.
Chamava a mulher carinhosamente de Paixão e era chamado por ela de Vida .
Tinha momentos de extrema ternura e carinho quando mesmo brigado ou muito cansado pedia à mulher que deixasse ele ficar deitado em seu peito ou dormisse de conchinha. Sem qualquer intimidade com a cozinha fritava batatas e locava filmes para ficarem abraçados por horas a fio e sem falar. Era um homem que ao ver a mulher reclamar dos cabelos embaraçados, pacientemente desembaraçava-os. Jamais, nunca em tempo algum andava na rua sem segurar-lhe a mão.
Mas duas coisas tiravam aquele homem do sério naquela relação. Uma delas era a saúde frágil da mulher. Era algo que ele não sabia, e não queria aprender a lhe dar. A outra era o fato dela não ter pelo sexo a mesma proporção de interesse que ele. A soma dessas duas diferenças desencadeou uma separação. Primeira e última.
Separou -se o casal, mas a relação entre ambos melhorou muito. Falavam -se, conversavam, tentavam ajudar e entender um ao outro. Não havia tempo e nem espaço nessa relação para questionamentos do passado ou intrometer-se no presente.
Anos depois quando se viam, como em um acordo não verbalizado só falavam sobre as coisas boas que viveram ou fizeram.
Ele? Continua o mesmo. Divertido, desbocado, irritante, paquerador incorrigível e uma figura sem igual. O tempo só me confirmou o que disse-lhe uma vez: É uma figura totalmente singular.

Um comentário:

Anônimo disse...

Querida amiga, mas um texto brilhante e nem precisa dizer quem é ele... Quando sai esse livro??? Cadê as Editoras???
Beijos
Sandra

Agora são Horas e Minutos - Seja Bem Vindo(a)
Escrevo sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi.
(Mário de Andrade)