domingo, 20 de julho de 2008

DE VOLTA Á VIDA



Existem coisas, que mesmo depois de muito tempo passado, nos causa estranheza, desconfiança e até mesmo descrença. E é um desses fatos que aconteceu há alguns anos, mas que até hoje me estremece quando penso, que revelarei agora.
Estava com 27 anos de idade e grávida de meu primeiro filho. Após uma série de exames aos cinco meses de gestação foi descoberto um câncer de colo de útero. Se é verdade que uma notícia dessas acaba com o emocional de uma pessoa, também é verdade que as dúvidas surgem como moscas em abelhas no mel. Não me desesperei, também não chorei, era como se anestesiada estivesse. O médico dizia:
__ Vimos todos es seus exames, revimos suas respostas ao questionário e o que podemos dizer é que a senhora não se encaixa, no que costumamos chamar de propensa a uma doença como essa.

__ E quais são as propensões? __ perguntei baixinho.
__ Não existem regras, mas normalmente podemos verificar mais facilmente em mulheres com mais de 35 anos, que tenham mais de 02 filhos, que trocam de parceiros com freqüência, quem já tem casos na família, as que por algum motivo ficam tempo demais sem o exame preventivo e também em mulheres que começam a vida sexual cedo demais.
__ Bem Dr. Levando em consideração que não estou nessas estatísticas, onde me encaixo?
__ Primeiro precisamos da confirmação do diagnóstico com sua médica, mas o que podemos lhe adiantar é que provavelmente de acordo com suas respostas, sua má alimentação, uma cauterização mal feita ou feita tarde demais, e uma célula defeituosa, foi a possível causa do que está lhe acontecendo. O que pode ter ficado escondido devido seu útero ser invertido.
__ Entendi. __ falei quase automaticamente.
O laudo da biópsia deu positivo. Um carcinoma in cita sem o descarte de invasão. Como minha gravidez já estava avançada e era de risco, optaram por me operar após o parto.
Em 22 de Janeiro de 1997, ia para o hospital com minhas duas irmãs. Enquanto as duas dormiam no longo percurso, eu ia pensando em minhas duas únicas preocupações meu filho e a possibilidade de não retornar com vida. Garantiram-me que seria uma cirurgia rápida, mas toda ela tinha seu risco, por mais simples que fosse. E era nisso que pensava.
Na enfermaria em que fiquei, fui tratada como uma princesa, tanto pelos funcionários como pelas internas que lá já estavam. E comecei a acreditar que o mundo conspirava a meu favor. Uma paciente agonizava no quarto. As pessoas se impressionavam com minha pouca idade e aparente tranqüilidade.
À noite, comecei a sentir-me mal, tonturas e enjôos. Logo perceberam que se tratava de uma crise nervosa, e a enfermeira deu-me dois comprimidos. Acordei pela manhã, com um homem negro e forte chamando-me.
__ Está na hora da cirurgia.
__ Mas, ainda não tomei banho. __ disse visivelmente amedrontada e querendo ganhar tempo.
__ Não se preocupe, lhe aguardam assim mesmo. __ foi a resposta seca do homem.
Ajudou-me a deitar na maca e foi me levando até o centro cirúrgico. Ao passar pelos corredores imensos, elevadores e pessoas, tentava guardar todas as imagens que conseguia registrar, não sei bem porque, mas embora estivesse calma algo me deixava com a estranha sensação de que não sairia viva da sala de cirurgia.
Enquanto aguardava a Drª. Não entendia porque mas aparecia pessoas que não conhecia a toda hora para me falar alguma palavra de conforto ou simplesmente dar- me um aperto de mão. E isso aumentou meu estado de alerta, embora por alguma razão estivesse gostando de toda aquela atenção. Não era o retrato que tinha de um hospital público. Como a cirurgia foi muito cedo, não tive como ver nenhum parente meu, principalmente os mais importantes: Meu filho de apenas um ano e minha mãe, que tinha certeza estava sofrendo mais do que eu naquele momento.
Apenas o homem negro que me conduzira até ali, mantinha se sério, mas não saia do meu lado.
A drª chegou e o procedimento iniciado.
Se há uma coisa que ainda não consegui entender muito bem, é porque os médicos falam tanto durante um procedimento cirúrgico, se muitas vezes em uma consulta eles mal olham para seu rosto.
E durante a cirurgia, percebi que algo estava dando errado, acontecia o mesmo que na época de minha cesariana.
A drª dizia em meio a palavrões que não podia perder a mulher por uma coisa tão mínima, a voz dela deixava transparecer uma certa tensão. Eu não me apavorei, sabia exatamente o que me esperava e curiosamente não sentia medo. Olhei em volta e não vi o homem que tinha estado comigo desde de manhã. Fechei os olhos e ouvi a médica dizer ao anestesista:
_ Doutor coloque a mulher pra dormir.
_ Mas a pressão dela está muito baixa, como quer que eu faça isso? _ disse o homem irritado.
Calmamente ela respondeu:
_ Isso não é comigo.
Acordei tremendo de frio e sentindo algo pegajoso. Com dificuldade olhei em volta e lá estava o homem que veio logo ao meu encontro. Sem dizer nada levantou as cobertas, e com uma expressão preocupada correu a chamar o médico. Estava tendo uma forte hemorragia. O médico não foi nada delicado, disse que precisava me retamponar, para cessar o sangramento. A dor era insuportável, mas o médico nervoso gritava que eu precisava ajudá-lo e que não era hora para corpo mole. Assim que acabaram, passei mais algum tempo ali e fui levada para a enfermaria, onde fui recebida com alívio pelas colegas de quarto. Uma cirurgia que levaria no máximo uma hora, me deixara quase todo o dia na rpa (recuperação pós-cirúrgica). Estava há umas duas horas deitada, quando o sangramento voltou e sem precisar dizer nada olhei para o homem que estava á porta como se soubesse que precisaria dele novamente. Por sorte minha o plantão havia mudado e uma outra médica veio em meu auxílio. Essa foi um amor, e consegui suportar a dor que parecia me rasgar por dentro. Mas logo perdi os sentidos, ouvia todos gritando a minha volta. Mas não conseguia reagir.
Via-me em um lugar tranqüilo, onde só aquele homem me acompanhava, e me dizia.
__ Volta, você precisa voltar. Ainda não é sua hora.
__ Não consigo. Ajuda-me. Não quero morrer.
__ Então volta logo, sua pressão está caindo demais. Pense em algo que te emocionou muito ultimamente.
__ O nascimento de meu filho.
__ Não. Há alguns dias atrás, algo te levou a repensar a vida. Lembra? precisa lembrar.
Após um tempo pensando, falei:
__ O Adónis?
O sorriso dele me confirmou que estava certa.
E como se tivesse em um sonho, voltei aquele dia.
Conheci o Adónis, em um dia incomum, era aniversário de minha irmã e estava dando uma volta com meu filho na beira da praia, quando avistei o homem mais lindo que meus olhos já vira. Fiquei tanto tempo paralisada com a beleza do homem, que ele se aproximou e perguntou-me grosseiro:
__ Nunca viu um homem?
__ Nunca tão bonito. __ respondi sincera e sem graça.
__ É muito importante a beleza física para você?
__ Sinceramente não. __ Era verdade, nunca me importara com isso.
Ele vestia uma roupa grossa que cobria todo o corpo e num gesto furioso, tirou a roupa, revelando um corpo completamente queimado. Era algo feio e dolorido de ver. Mas não desviei o olhar. Nos apresentamos e pouco depois ele me contava sua história.
__ É sem dúvida uma história triste.
__ Obrigado, por ter me ouvido.
__ Fiz com prazer.
__ Nem todos têm a sua sensibilidade, alguma vez já teve a sensação de que o mundo conspira contra você, e ninguém percebe? Que está em meio a um pesadelo, mas ninguém lhe acorda? Que está morrendo aos poucos, mas ninguém te salva?
Lembrei dessas palavras e comecei a chorar.
__ Acorda pequena, precisa ser agora __ Era a voz do meu protetor.
Abri os olhos molhados e ao meu redor havia muitos médicos e enfermeiros. Percebi que a enfermaria estava em um silêncio total e sofri por aqueles pacientes que passaram por aquela experiência de ter alguém perdendo a vida tão perto deles. Médicos e enfermeiros saíram deixando-me no soro e sonda. Ao olhar para a porta, lá estava ele. Meu protetor negro, alto, forte e agora meu amigo e cúmplice que piscava para mim e sorria pela primeira vez, desde que o vira.
__ Seja bem vinda à vida, pequena.
__ Devo ela a você. __ respondi sorrindo e chorando ao mesmo tempo. Gostei de ser chamada assim por ele, ao invés de baixinha como todos faziam.
Toda mulher que realizava tal cirurgia recebia alta no mesmo dia. No dia seguinte a visita médica foi feita justamente pela médica que fizera todo o meu tratamento desde meu diagnóstico e recomendara a cirurgia.
_ Já soube que causou um grande susto por aqui não é?_ perguntou-me sorrindo, coisa rara, de ver naquele rosto.
_ Saio hoje daqui? _ era minha curiosidade.
Ela balançou a cabeça em sinal negativo e disse: _ ainda não.
Saí três dias depois. Ainda assim porque precisava evitar uma possível infecção hospitalar, mas durante o tempo que permaneci ali, não vi mais meu Anjo protetor e ao perguntar por ele, fui informada que havia sido transferido.
Voltei para casa com a sensação de que nascera de novo. Não sei bem porque, mas nunca contei esse episódio a ninguém. E também não sei porque faço agora, talvez com a esperança de conseguir agradecer aquele homem por ter conseguido fazer com que eu entendesse, que não importa o tamanho da dor, o caminho na maioria das vezes é a luta.
Deixo aqui meu abraço, a quem não conheço, mas fez parte da minha vida.









Um comentário:

Anônimo disse...

Queridona amiga, li este texto me arrepiando e termino em lágrimas... Emocionante, fiquei sensibilizada. E parabéns pela coragem do depoimento, eu que já te admirava, agora então, mais ainda. Te adoro e seja sempre bem-vinda à Vida!!!!
Beijo no coração,
Sandra

Agora são Horas e Minutos - Seja Bem Vindo(a)
Escrevo sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi.
(Mário de Andrade)