sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Lembranças

Mesmo muitos anos depois,sempre que recordava aqueles
momentos, se indagava se não teria passado por tal
experiência em razão da religião que um dia quase
praticara, mas que mesmo não fazendo, ainda hoje
tinha motivos reais para acreditar que coisas como
aquelas acontecem. Criada dentro da religião da mãe,
ainda que desde menina apresentasse problemas
relativos a espiritualidade, tanto a própria mãe
como ela, optaram por não se infiltrar na religião.
Era tudo muito lindo, mas exigia uma obediência e
doutrina que não se achava capaz de seguir.
Não que fosse desobediente, mas nesse sentido era
insubordinada e questionava coisas, que na maioria
das vezes não conseguiam explicar-lhe. E é exatamente
por isso que lhes conto um fato que ocorreu em 1988.
Para isso terei que voltar um pouco no tempo.
Onde nossa personagem tinha apenas 15 anos.
Era dezembro, estava com a mãe na cozinha fritando
uns pastéis para festa de amigo oculto que ela teria no trabalho,
quando adentraram pela porta a tia,com o marido e uma mulher
que logo vieram a saber, que se tratava de uma assistente social.
Algum tempo depois o desespero era total. O tio dela falecera.
Um homem que durante 25 anos trabalhara como caminhoneiro
de uma mesma empresa, sem jamais sofrer qualquer acidente,
no dia que faria sua última viagem antes de se aposentar, quis
o destino que uma scânia batesse de frente com ele.
O consolo? A morte tinha sido instantânea. Foram as palavras

da assistente social, profissional que estava ali a mando da
conhecida empresa (hoje já extinta) para resolver a parte
burocrática do ocorrido.
O homem falecera em uma quarta-feira, mas como tinha

sido em São Paulo, até que tudo fosse resolvido, seu
sepultamento só pôde ser feito no sábado. Não compareceu,
pois tinha pavor de defuntos e mesmo o tio sendo uma pessoa
muito querida, optou por ficar em casa olhando os irmãos
mais novos. Todos que lá estiveram, estarrecidos ficaram com
o que viram (ou melhor, com o que não puderam ver), já que o
estado adiantado de decomposição do corpo, fizera com que
fosse enterrado em caixão blindado.
Não é necessário dizer que naquele ano, não houve festividades

de final de ano como era de costume na casa.
Tudo parecia normal, até que em Março, três meses após o

episódio começou a sentir-me mal. Passava todo o tempo vendo
a imagem do tio, durante a noite, quando conseguia dormir, era
sempre acordada por alguém que dizia que estava chorando.
Passou a rezar sempre antes de deitar, mas nada parecia surtir
efeito. Perdia peso, não se alimentava, tinha pavor da noite, e
principalmente de dormir ou ficar só.
Um dia a mãe irritada com tudo o que acontecia, mas que até

então permanecera sem agir, por achar que podia haver um
certo exagero por parte da filha, resolveu fazer algo.
O banho indicado,e as ervas colocadas sob o
travesseiro,fez com que adormecesse.
E aí o pesadelo começou:
Estava em uma estrada sozinha e com medo, quando um

caminhão passava e parava diante dela. Sorriu ao ver
aliviada que o motorista era o tio. Subiu no carro e ficaram
passeando por um pequeno jardim. As flores ainda pareciam
frescas, prova de que alguém as colocara ali há pouco tempo,
o tio até então calado começou a dizer:
__ Ali estou eu Vitória__ Não entendi.__ Pelo menos,

ali está o que enterraram de mim.__ continuou ele.
__ E como está falando comigo aqui?
__ Está sonhando. Estive todo esse tempo perto de você,

mas nunca lembrava do sonho ou das sensações, por
causa do medo.
__ E o que quer de mim?
__ Você é a única que pode me trazer o que preciso para descansar.
__ E Como posso fazer isso?
__ Conte a sua mãe o que sonhou, ela saberá o que fazer.
__ E o que quer?
__ Ali __ disse apontando para o jardim __ está apenas uma

pequena parte do meu corpo.
Estremeceu e não conseguiu esconder o medo. O caminhão

saiu dali e pegou uma estrada. Na memória vinha a lembranças
dos comentários daqueles que haviam ido ao sepultamento.
Em seu rosto não havia nada que demonstrasse medo ou horror
nos presentes. Não sei como, mas a sensação era a de que realmente
estava vivendo aquilo e não apenas sonhando.
Em determinado momento ele parou bruscamente e ficou com o

olhar perdido em um ponto da estrada. E falou de repente:
__ É ali que está o que quero que me devolva. Vitória,

quase todo o meu corpo ficou ali, mas não consigo encontrar
paz, sem comida e sem meus pés. Por favor, me traga meus pés.
Recusou-se a fazer o que ele pedia, e ele começou a gritar.

Acordou também gritando. Contou apavorada a mãe o que
havia sonhado. Primeiro ela, não deu muito crédito.
Quando percebeu que era realmente verdade, começou
a blasfemar. Havia uma fúria contida nas coisas
que dizia. Quem a ouvisse falar daquele jeito, com certeza
pensaria que estava maluca.
Apesar de já estar convencida de que o perigo rondava,

a mãe nada fez e os sonhos tornaram-se cada vez mais freqüentes
e horríveis. Cada vez sentia mais medo. Até que não
agüentando mais, a debilitação, dois amigos da família
conseguiram convencer a mãe teimosa a agir.
O trabalho foi feito em um cemitério, com a presença dos

dois amigos. Foi ainda na porta, que começaram.
Cada um concentrado em suas funções. Apenas Vitória
não tinha nada para fazer, só pediram fé.
Sem as brincadeiras costumeiras e sem titubear.
A segunda parte teria que ser feita do lado de dentro,

e se recusou a entrar. Ficou parada na porta aguardando-os.
Eles desapareceram e ela parada. De repente um pombo branco
parou aos seus pés para comer os grãos que ali haviam sido
colocados. Ficou extasiada olhando aquele bichinho e quando
ele voou indo para o interior do cemitério, foi atrás dele,
como se hipnotizada estivesse. Era a primeira vez que entrava
em um lugar como aquele. Caminhava lentamente pela rua,
as capelas já estavam fechadas.
Já havia andando um bom pedaço, quando alguém falou:

"Aqui teve um fresquinho hoje", olhou e reparou que havia
um enorme arranjo de flores, muito parecido com o que
vira no sonho. Reparei na pessoa que falara aquilo, era um
jovem bêbado, fazendo sabe-se lá o quenaquele lugar.
Ao longe viu que os três acompanhantes retornavam.

Comentou o que ouvira e o que não levava nada muito a
sério disse rindo que o rapaz bêbado tinha se referido a
um "corpo" fresquinho. Não se sabe porque, mas aquilo fez
Vitória chorar. E chorou até chegar em casa. Passou alguns
dias em paz. Nove dias após, o sonho voltava e tornava a
passear com o tio, dessa vez ele estava feliz e disse:
__ Obrigado Vitória sem você não conseguiria meus pés

de volta, e sem meus pés não tinha como caminhar e seguir
o meu destino. Aquele que o "homem" traçou para mim.
Agora posso realmente ir em busca do que preciso.
A partir daí, sua vida voltou ao normal. Embora não saiba

até hoje porque foi a escolhida para aquela função.
Pode perceber que ele queria a ajuda da mãe dela, que era
uma pessoa que sabia lidar com essas coisas. Só não
entendia porque havia sido a escolhida. Para isso ele
poderia ter usado qualquer um de seus irmãos,
principalmente o mais novo que morara com ele.
Mas esse será um mistério que carregaria por toda a vida.
Sem que ninguém soubesse, foi a algumas missas as segundas

feiras, pois havia uma igreja próxima a escola. Continuava
sem entender os acontecimentos. Era uma adolescente
introvertida e sem sal, como costumava-se dizer. Gostava de
ver as coisas e ouvir as duas versões para poder tirar partido
de um dos lados, era ponderada e bastante razoável em suas
decisões e atos, mas quando o assunto era fé e crença, a história
mudava de figura. Era uma eterna contestadora, não acreditava
que determinada coisa era assim por que diziam. Precisava de
provas e naquele caso havia tido. Tinha sido, sabe lá Deus porque
o instrumento entre um espírito e uma matéria para que o
primeiro tivesse a chance de obter o que lhe era indispensável
para dar continuidade a sua vida fora do corpo. Esse não foi o
único episódio que fez om que passasse a acreditar que era real
o elo existente entre um lado e outro. E sua espiritualidade jamais fora colocada em prática, mas vez por outra era testada.
A história com o tio deu medo, mas também lhe trouxe a sensação

de que há algo muito superior àquilo no qual acreditava entre
Céu e terra, morte e Vida, ser e existir e principalmente no
contato entre vidas que não se vêem, mas conseguem a devida
sintonia. Na última missa, deixou sob a imagem de
N. Sr.ª das Graças à oração que tinha recebido da família,
o fato de não conter fotos fez com que se sentisse mais aliviada.
Ao sair da Igreja, ainda em um praça próxima, viu que um
homem lhe observava. O olhar era idêntico ao do tio e quando
sorriu não teve dúvidas que ele estava próximo, muito
próximo dela. Durante algum tempo, não sonhou com ele,
apenas três anos depois quando veio lhe trazer algo que
poderia ter mudado toda sua vida, mas como não conseguiu
entender a mensagem,deixeu escapar a chance. Nesse mesmo
sonho ele contava que havia conseguido atingir o lugar que lhe
fora destinado, e que estava muito bem. Foi essa a última visão
que teve dele. Não guarda fotos e hoje passados 21 anos nunca
mais teve notícias dele, lhe fazendo acreditar que esteja muito
bem, ou quem sabe já entre nós novamente??????????



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Agora são Horas e Minutos - Seja Bem Vindo(a)
Escrevo sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi.
(Mário de Andrade)