sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Sensatez

O ano estava passando rápido, mas aquela semana
parecia se arrastar. Levantei com a sensação de que
acabara de deitar pois a noite havia sido agitada. Aprendi
que a primeira coisa que devíamos fazer ao acordar era
abraçar a si mesmo. E fazia isso diariamente, gostava da
sensação de dar bom dia ao meu corpo e espírito.
Enquanto esperava o ônibus que levaria meu filho ao

colégio, passava os olhos nos jornais diários em uma banca
próxima. Não havia muita novidade. Cartões corporativos,
violência no trânsito, o caso Isabela, enfim... um
massacre social. Entrei na padaria e os comentários eram
os mesmos dos jornais. Entrei em casa com o pão, mas não
querendo acordar quem ainda dormia, optei por não fazer
o café ainda. Liguei a tv e uma rápida corrida pelos canais
mostrou-me os mesmos assuntos dos jornais escritos e outros
que não prenderiam minha atenção. Sorri pegando o livro que
estava lendo há 03 dias, percebendo que ali estava a razão do
meu desinteresse pelo cotidiano. Ler me fascinava e no momento
estava voltada para O Advogado de John Grisham.
O Advogado mostrava um lado dos EUA que poucos

conheciam. Era difícil acreditar que também lá havia problemas
sociais tão próprios de terceiro mundo. Michael Brock havia
se tornado meu herói. Um homem determinado que sentiu
a necessidade de mudar completamente ao ver em risco sua
vida. Ainda que todos achassem que era loucura o que fazia,
Mike como era chamado, mandara a sensatez pro espaço.
Eu sabia o que era isso. Conhecida como alguém irritantemente

equilibrada e tranqüila, tinha deixado algumas pessoas
frustradas quando decidi deixar um casamento e tudo o que ele
implicava por razões que não conseguiam entender. Na opinião
dessas pessoas, meus motivos não eram suficientes para uma
reação tão definitiva. Era minha primeira grande fuga da sensatez.
Mas ainda viriam outras. Embora fizesse questão de ser uma pessoa

agradável e tolerante, não me prendia muito ao lugar comum.
Levava as coisas até quando achava suportável, mas quando o
peso começava a incomodar, tirava-o do ombro por mais que
doesse e sofresse com a decisão.
Uma das vezes que tal atitude mexeu mais comigo, foi há alguns

anos quando vi minha rotina tão agressivamente invadida.
O resultado disso era visível em minhas inúmeras idas ao
fórum, audiências, cartórios e etc...Passava noites sem dormir,
pensando se agia certo ao levar aquela causa adiante.
E se no futuro perdesse o amor de meu filho em razão disso?
Essa angústia não desejava a ninguém. A emoção dizia que eu
devia parar, mas o amor que sentia pelas pessoas prejudicadas
pelo que me acontecia, fazia com que não amolecesse em minha
decisão. Não era sensato o meu comportamento, mas não podia
me preocupar com isso no momento.
Foi nesse mesmo período que fui apresentada a Internet.

Meu irmão acreditava que me faria bem, já que não gostava
de sair de casa. Segundo ele, seria uma terapia.
No início a novidade não me animou muito. O mundo

desconhecido nada me acrescentava.
Mas aos poucos fui tendo uma visão diferente.

Comecei a descobrir ali um instrumento que ajudava a
resolver muitas coisas, isso sem falar no conhecimento.
Muito tempo depois entrei em meu primeiro bate papo.
Era interessante, divertido e sem conseqüências ruins quando
sabíamos como nos comportar. Era o mundo certo para pessoas
carentes e tímidas como eu. Podia fazer amigos sem precisar
me expor demais. E os fiz. Na verdade fui além, tornei-me
conselheira e confidente de grande parte das pessoas que
conheci. Muitos são até hoje. Aos poucos perdi o interesse
pelas salas, não queria mais responder como eu era, o que
fazia e etc... e como não gostava de mentir, decidi parar um
pouco. Mas continuei usando a Internet. Era um mundo que
não tinha fim. Ali podíamos ir onde quisesse.
Um dia uma amiga me apresentou alguém. Não foi uma

apresentação convencional e nem formal. Não demorou para
que eu voltasse a usar com freqüência um programa de
computador que raramente usava. Nossas conversas
passaram a ser diária.
Era um homem inteligente, bem humorado,
excelente
conversa e extremamente tímido embora risse todo o tempo.
Eu não lembrava quanto tempo uma compainha não me dava
tanto prazer.Um dia respondendo a uma mensagem minha
do celular, que procurava saber o andamento de um ocorrido
ele respondeu:
_Estou voltando agora para o trabalho, foi tudo bem.

Conversamos logo mais à noite.
Li a mensagem diversas vezes. Àquela mensagem parecia

um encontro marcado. Sabia que não fora essa a intenção
dele, mas me senti uma adolescente a espera do namorado.
Uma luz de alerta acendeu. Estava apaixonada.
As coisas caminharam amigavelmente e um dia decidi

contar-lhe o que estava acontecendo. Depois do impacto
com a surpresa, gentilmente me disse que tinha o coração
fechado.Eu já tinha amado duas vezes. Por isso mesmo
sabia o que estava sentindo. Dono de uma simpatia
cativante e pensamentos algumas vezes conservadores,
cada vez me via mais envolvida por aquela figura
misteriosa. Debochado, autoritário, ansioso, auto crítico
e crítico, capaz de irritar facilmente uma pessoa, aquele
homem conseguia esconder sem qualquer problema uma
sensibilidade extrema. Talvez ninguém nunca venha
a ter autorização para aportar naquele coração.
Não sabia o que fazer, como me comportar.

A amizade dele era algo que não admitia perder
por inconseqüência minha, no entanto havia sido liberada
pra não esconder o que sentia. Gostava de ouvir sua voz,
embora esperasse o dia em que ouviria sem tanta risada,
como um recente, "pois não", quando atendeu a um
chamado meu. Companheiro, paciente, observador,
carinhoso, atencioso, solícito, essas e outras coisas
faziam dele um homem como muitas mulheres sonhavam
encontrar. Além da timidez tínhamos outras coisas em
comum, o metodismo, o temperamento difícil e opiniões
divergentes. E por isso não era raro brigarmos, assim como
raro também não era rirmos todo o tempo que conversávamos.
Embora fosse um sentimento tranqüilo, não era fácil.

Gostar de alguém já é uma tarefa difícil sendo correspondido,
imagina quando isso não acontece.
Não sabia como conduzir a situação, a grande dúvida

era: me esforçar pra esquecer o homem e manter o
amigo ou deixar as coisas tomarem seu caminho?
Talvez o mais difícil era não ter com quem desabafar
ou mesmo não sentir vontade de transferir aquele
sentimento pra outra pessoa. Enquanto me aproximava
do final do livro querendo saber como Mike conseguiu
se livrar da prisão, um barulho me chamou a atenção,
levantando as vistas percebi que era o celular vibrando.
A luz vermelha piscava me dizendo quem chamava àquela
hora da manhã, sorri lembrando que há muitos anos atrás
ficaria nas nuvens com aquela ligação. Eu nunca telefonava
pra ninguém, mas ainda assim, me procuravam.
Sabiam que era apenas falta de hábito meu. Atendi e a
conversa agradável se estendeu por um longo tempo,
percebi a chamada em espera e desliguei pra pegar a luz
amarela, parecia que naquela manhã também os homens
acordaram carentes. Naquele momento precisava ser mais
comedida. Do outro lado da linha encontrava-se alguém nas
mesmas condições que eu. Amava e não era amado.
Só que eu era o amor da pessoa com quem conversava.
Quando desliguei senti um vazio enorme. Será que havia

explicações para essas coisas? Fulano que gostava de mim,
que gostava de outro, que não gostava de ninguém.
Sabia que as pessoas quando conseguiam agir com a razão
quase sempre se saiam melhor do que os que deixavam a
emoção prevalecer. E sabia disso porque também já fora
racional. Mas dessa vez estava sendo mais complicado.
As emoções sentidas eram conflitantes. Era bom saber que
ainda era capaz de gostar tanto de alguém, apesar de
problemas passados, mas também sentia medo de sofrer
de novo.A sensatez dizia que era hora de traçar outro
caminho, porém uma vez mais estava ignorando o aviso.
Olhei o relógio, 08:10h, resolvi tomar um banho e enquanto

a água caia senti as lágrimas caírem e não me importei.
Era uma romântica incurável e sensível demais pra fingir
que nada estava acontecendo, sabia que ali bem perto de
mim alguém esperava pelo momento que eu estivesse
disponível para uma relação.
Não sei quanto tempo isso levaria pra acontecer e nem se iria

acontecer. Mas uma coisa eu sabia: a pessoa que se instalara
em meu coração e minha mente era especial demais e sabia
como ninguém manter o que eu sentia.
Tínhamos o que só casais que vivem em sintonia conseguem.

O prazer com a compainha um do outro, o interesse pelo
que o outro gosta, o respeito, a preocupação, o ser inteiro
e verdadeiro, a preferência pelo omitir a mentir...
Quem sabe um dia não riríamos de tudo isso? Afinal me

conhecia, sabia que ele já tinha traçado as próprias diretrizes
e que não havia espaço pra mim, mas no momento certo
eu conseguiria voltar à tona e respirar livre novamente.
Ou talvez consiga um dia manter esse sentimento guardado

sem dizer-lhe a importância que tem como homem, amigo
e companheiro.Fechei o livro satisfeita com o final,
Michael Brock tinha alcançado seu objetivo, foi radical,
mas se agisse de forma diferente talvez não conseguisse.
E já que minha história ainda não tinha um final, eu podia

esquecer todo o bom senso e manter meu desejo de
dizer-lhe ao ouvido:
Conquistei você.


(Esse texto teve pequenas alterações,para preservar os envolvidos).








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Agora são Horas e Minutos - Seja Bem Vindo(a)
Escrevo sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi.
(Mário de Andrade)