sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Amor incondicional.


Certa vez me disseram que a mente humana pode ser nossa
melhor aliada,mas também nossa pior inimiga.
E pensava nisso enquanto lia uma carta de alguém distante.
Em tempos de correio eletrônico parece incomum esse tipo
de comunicação, mas é uma linguagem imensamente prazerosa.
Essa carta me pegou em um momento nostálgico, cheio de
lembranças. Havia sonhado com minha avó e isso era tão
raro que sempre que acontecia passava horas e até dias
tentando relembrar cada detalhe. Era bom demais ser
“visitada” por alguém que me fez o que sou.
Mesmo que o sonho em questão tivesse sido uma bronca
daquelas. Soube da “partida” de minha avó em um dia lindo
de verão no Rio de Janeiro, mas curiosamente senti como
se o céu tivesse nublado de repente. A sensação era estranha
e nunca vivida antes.
Não nos víamos mais há anos, mas o amor que sentíamos
uma pela outra era incondicional e sem fronteiras.
Havia uma espécie de telepatia entre nós e isso causou alguns
constrangimentos.
Morei com dona Eulina até os sete anos e aprendi ali com
aquela mulher determinada que ao contrário do que dizem
não podemos tudo o que queremos.
Criança arteira dei muitas dores de cabeça aquela que
inicialmente chamei de mãe e depois carinhosamente
de minha velha. Subia e caia de árvores, brigava como menino
e até sangue tirava das colegas,pegava frutas no quintal vizinho
embora tivesse um pomar no nosso,acendia o fogão a gás mesmo
sabendo que o utilizado era o de fogo à lenha. A tudo isso era
repreendida severamente por dona Eulina, que não dava castigos
e sim surras. Pessoas próximas muitas vezes achavam uma tirania
a forma que ela educava. Mas era com atenção e quase devoção que
percebia seu olhar e sorriso de canto de boca quando eu era elogiada
por amigos dela. Era arteira sim,mas mesmo com tão pouca idade era extremamente participativa.
Ajudava em tudo e a todos. Era solidária e amigável.
Mas jamais conheci alguém tão querida como minha avó.
Gostava de sentar no seu colo e ficar puxando a pele do pescoço,
enquanto ouvia suas histórias. Mulher decidida e corajosa nunca
deixava alguém lhe ver uma lágrima nos olhos,ainda que sua
expressão demonstrasse toda angústia e sofrimento.
Me deliciava em ver-lhe sentar com as pernas longas cruzadas
e passar horas coçando o queixo,pensando na vida.
Dona Eulina xingava presidentes da república e vilões de
novelas,mas sabia o hino nacional inteiro e só ouvia sua execução
de pé e com a mão no peito. Adorava Lady Diana e idolatrava o papa
João Paulo II. Mulher altiva que era,quando algo a aborrecia ou
preocupava a veia do pescoço pulsava (a minha também) denunciando
muitas vezes sua tentativa de não preocupar as pessoas.
Tinha uma beleza suave,mas um temperamento de rompantes.
Adorava uma roda de samba e dançava como poucas.
Mãe severa e austera,mas dona de um coração e compreensão
que dificilmente alguém não se comovia com suas atitudes de leoa
para proteger suas crias. Foi a essa pessoa que a carta me remeteu.
Lembrava dela diariamente,nem que fosse por um segundo.
Soube que sua partida foi tranqüila e suave. Tomou banho,deitou-se
e não levantou. Serena era sua fisionomia,contrastando com a dor
de parentes e amigos que não se conformavam com a perda.
Estou longe de ser como ela,mas aprendi coisas que me acompanham
até hoje. Entre elas o respeito ao ser humano e suas convicções,ainda
que não compartilhe delas.
Minha véia,vou repetir em palavras o que lhe disse em sonho.
Enquanto estiver respirando,vou continuar cometendo erros
e falhas,mas por favor não desista de mim. Brigue,xingue,me puxe
as orelhas que ainda assim lhe amarei eternamente.

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Agora são Horas e Minutos - Seja Bem Vindo(a)
Escrevo sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi.
(Mário de Andrade)